A Atualidade de Platão

Por francisco

Por Louis Lavelle1

Se nos perguntarmos qual é a preocupação fundamental da filosofia contemporânea, veremos que ela está singularmente sintonizada com o problema imposto ao nosso pensamento pela própria ansiedade em que vivemos. Em tempos de tranquilidade e quando a mente está livre, ele se pergunta sobre a natureza da realidade: ele tenta desvendar seu mistério; sua curiosidade é, acima de tudo, uma curiosidade teórica. Atualmente, o pensamento filosófico subordina a consideração da realidade à do valor: não há palavra que tenha adquirido mais prestígio nos últimos anos do que essa. E é fácil entender por que, em uma época em que toda a existência está ameaçada, em que a civilização está em perigo, em que vidas são comprometidas e sacrificadas por aquilo que é mais precioso do que a própria vida, a própria ideia do valor desse universo no qual nosso destino se cumpre, do significado que ele tem ou que nossa ação pode lhe dar, ocupa toda a capacidade de nossa alma, abala todos os poderes de nossa sensibilidade e se torna o único objeto ao qual nossa meditação pode ser aplicada.


Mas, de fato, essa relação entre Ser e Valor sempre formou a essência de toda a verdadeira filosofia: pois o valor é a “raison d’être” de tudo, ou seja, a justificação do mundo, tal como nos é dado, pelo que nossa razão e nossa vontade se mostram capazes de fazer com ele. Esse, em particular, é o núcleo do platonismo: e isso é o que nunca deixou de ser sentido pelos incontáveis leitores que Platão encontrou em todos os séculos, os quais, através de tantas sutilezas dialéticas e mitos anacrônicos, se deixaram seduzir por um encanto poético elusivo que é onipresente em sua obra apenas porque reconheceram nela o eco daqueles valores espirituais que toda consciência carrega dentro de si e cuja presença ninguém conseguiu nos entregar com tanta força e pureza. Já o Sr. Robin, em vista do sucesso alcançado hoje pela expressão “filosofia dos valores”, recentemente nos mostrou como ela se adequava bem ao platonismo. E o Sr. Joseph Moreau confirma essa tese na obra erudita em que acaba de estudar, com grande erudição, probidade e penetração, a Construção do idealismo platônico.


Este livro nos mostra, de forma admirável, que Platão já fornece uma resposta para o principal problema que hoje causa tanta confusão e insegurança em nossa consciência: como chegamos ao ponto em que a mente humana, cuja função adequada é conhecer o mundo e fazer ciência, vê a ciência, em última análise, decepcionando-a em vez de satisfazê-la, e voltando o próprio poder que ela lhe deu contra suas aspirações mais essenciais? A concepção de ciência de Platão é muito moderna, e ele, assim como os cientistas contemporâneos, tomou emprestado o modelo e o instrumento da matemática. E, no entanto, Platão nos mostra que essa ciência é incapaz de ser autossuficiente: não que devamos impor limites a ela, os quais ela não deve ultrapassar, como propôs Auguste Comte, ou procurar levá-la ao descrédito e humilhá-la, como fizeram aqueles que falaram da “falência da ciência”. Mas não se deve permitir que ela interrompa o movimento do espírito do qual ela se origina, e que só pode encontrar seu significado e sua conclusão se a ciência se tornar para ela uma condição e um meio, ou seja, um simples estágio nessa ascensão indefinida pela qual o espírito se compromete a submeter a realidade a uma ordem que deve primeiro ser pensada como verdadeira para que então possa ser desejada como boa.


A ordem que a mente descobre nas coisas deve liberar a mente e não acorrentá-la: mas para que isso aconteça, em vez de ser colocada a serviço do egoísmo, cujos limites a ciência já nos ensinou a romper, ela deve ser ampliada por uma ordem da qual nós mesmos somos os arquitetos, que nos ordena a considerar, em cada uma de nossas ações, não apenas nosso próprio interesse, mas o de todo o universo. Esse é o significado do idealismo platônico, que a princípio aparece como um idealismo do conhecimento, uma vez que a mente, ao tornar a realidade transparente para nós, mostra-nos que não há outra realidade além daquela da ideia, mas que é imediatamente convertido em um idealismo moral, em que a ideia se torna um ideal que não é apenas o modelo para a ação, mas também sua força motriz: o que é bastante compreensível se não esquecermos que a ideia suprema, o pináculo da hierarquia de ideias, é a ideia do Bem, da qual todas as ideias particulares derivam tanto seu significado interno quanto o próprio poder pelo qual são realizadas.


A grandeza de Platão está em sua tentativa de preencher a lacuna entre o mundo da realidade e o mundo do valor, entre o mundo que vemos diante de nossos olhos, que, se fosse como nos aparece, talvez merecesse que nos afastássemos dele e o amaldiçoássemos, e esse mundo que carregamos dentro de nós, que responde aos desejos mais secretos de nossa consciência, mas que seria para nós um sonho sem consistência se não conseguíssemos, por meio do pensamento e da vontade, mostrar que ele é a substância do mundo real; o mundo real pode expressá-lo ou traí-lo, mas deve encontrar nele o fundamento que o apóia e justifica. Mas será que já houve outro problema para o filósofo, e até mesmo para o homem mais simples, assim que ele começa a pensar? Joseph Moreau chama Platão, com razão, de “o fundador da filosofia”. Portanto, podemos dizer que ninguém pode filosofar sem platonizar.

Toda a doutrina de Platão depende, ao que parece, dessa dupla afirmação de que a verdadeira realidade não está no objeto, mas na ideia, ou seja, em um ato de pensamento, e que, de todas as ideias, a única que pode dar ao espírito satisfação absoluta, ser para ela indivisivelmente a fonte de sua atividade e o lugar de seu descanso, é a ideia do Bem. Essas duas teses nos mostram com clareza suficiente que o ser pertence ao espírito e não às coisas, que só é possível alcançá-lo e estabelecer-se nele por meio de uma operação do espírito, que onde quer que essa operação seja realizada, a aparência é dissipada e que onde quer que ela seja enfraquecida, a aparência começa a se formar novamente e a nos subjugar. Isso explica a concepção de Platão sobre conhecimento e conduta, sobre a oposição que os separa e a relação que os une. Pois a perfeição do conhecimento só é alcançada quando o próprio espírito constrói o objeto de representação de acordo com uma regra, o que só acontece na matemática, e a perfeição da conduta quando ela determina a ação da vontade de acordo com um ideal, que é o objeto próprio da moralidade. Portanto, é na matemática e na moralidade que o espírito encontra sua maior satisfação: lá, como aqui, a verdade e a bondade dependem de seu puro exercício. Em ambos os lados, ele dita à realidade uma ordem na qual ela se reconhece. E pode-se dizer que, se a matemática está preocupada em introduzir a medida no mundo, então a moralidade está preocupada em introduzir a medida certa em nossas almas.


Mas como podemos fazer a transição da matemática para a moralidade? Não podemos, é claro, simplesmente dizer, como às vezes se pensa, que a ideia matemática e o ideal moral são modelos aos quais procuramos adequar a realidade, seja pelo pensamento ou pela vontade. Entre esses dois extremos, há um meio-termo, que é a técnica. O perigo mais sério ao qual a consciência humana e a civilização como um todo sempre estiveram expostas, tanto na época de Platão quanto na nossa, é que a técnica se torne o único objetivo da ciência pura e que, sendo suficiente para tudo, ela tenda a absorver a própria moralidade. Essa já era a posição assumida na antiguidade pelos sofistas, cujo papel é tão frequentemente disfarçado, e contra os quais o socratismo nunca deixou de lutar: mas é somente hoje que o prodigioso desenvolvimento da ciência e de suas aplicações, ao capturar todas as forças da inteligência, nos expõe à perspectiva de vê-la triunfar. É fácil entender o motivo, porque o uso da técnica produz um sucesso visível que chama a atenção, enquanto o valor desse uso é algo mais secreto e que nenhuma técnica pode descobrir. É também por isso que a técnica sempre pode ser colocada a serviço do egoísmo ou da violência, como nos dias dos sofistas, e por isso a consciência nunca deve perder de vista nem a ciência pura, cujo papel é fundá-la, nem a moralidade, cujo papel é regulá-la.


Devemos deixar claro que o objetivo aqui não é ignorar, muito menos menosprezar, o valor da técnica, que pode ser considerada não apenas como uma forma de nos tornarmos senhores da realidade, subordinando-a aos nossos fins, mas também de introduzir nela uma ordem que a humaniza, alinhando-a à nossa atividade racional e voluntária. Mas se a origem primária da técnica está no conhecimento desinteressado e contemplativo, o espírito não deve aceitar que ela transforme sua própria vitória em uma derrota, como acontece quando a ciência pura é subordinada à utilidade, o que a degrada, e quando, esquecendo que ela mesma nos libertou do egoísmo, pensamos apenas em escravizá-la a ele, a fim de multiplicar seu poder. Todos nós conhecemos o famoso ditado: “A ciência sem consciência é apenas a ruína da alma.” Isso é muito mais verdadeiro para a técnica do que para a ciência real! Que Deus permita que essa ruína da alma não seja, ao mesmo tempo, a ruína de todo o universo.


O que nos chama a atenção novamente sobre o uso de técnicas é sua multiplicidade, de tal forma que cada uma delas nos permite atingir um objetivo específico sem ter que nos preocupar com nenhum outro. Assim, vemos o surgimento dessas atividades especializadas, cada uma com seu próprio valor, mas que, se deixarem de respeitar esse valor e tomarem conta de todo o lugar, tornam-se um princípio de desordem que ameaça subverter tudo. Mas nenhuma técnica específica tem o direito de considerar o fim que ela nos permite alcançar como um fim absoluto, capaz de ser autossuficiente. Ele próprio não é mais do que um meio para um fim maior que lhe dá sua justificativa, que lhe dá sua justa medida. Mas essa ideia do equilíbrio certo já nos leva da técnica à moralidade. Pode-se dizer, por um lado, que ela nos força a considerar o todo, ao passo que nenhuma técnica específica jamais analisa apenas um de seus aspectos, e que a consideração do todo é a única capaz de alcançar a unidade das diferentes técnicas e limitar os abusos de cada uma delas. Ela só é bem-sucedida ao estabelecer uma hierarquia entre essas técnicas com base no valor desigual de seus diferentes fins e ao subordinar todas elas a um fim supremo, que é a ideia do Bem.


Nenhuma técnica jamais nos proporciona algo mais do que um poder sobre as coisas, cujos excessos nem sempre podemos moderar, e cujo uso é sempre ambíguo: esse poder que ela proporciona serve tanto para construir quanto para destruir, como vemos, por exemplo, na arte dos remédios, que é a mesma dos venenos, ou na arte da fala, que persuade tanto a verdade quanto o erro. Toda ação técnica deve, portanto, ser realizada com vistas a algo mais que tenha seu próprio valor. Agora é o Bem que é essa coisa, a única coisa que a vontade pode querer com uma vontade absoluta e que é tal que todos os passos que podemos dar se referem a ela e encontram sua justificativa nela, enquanto ela não se refere a nada externo e é para si mesma sua própria justificativa.

Isso também revela um contraste essencial entre a ideia matemática e a ideia do Bem. Ambos podem nos fornecer o modelo eterno de realidade e ação. Mas a ideia do Bem tem um privilégio singular sobre a ideia matemática. De fato, à frente das concepções mais modernas, Platão percebeu com extraordinária lucidez que, não importa o quanto retrocedamos na análise matemática, só podemos chegar a uma hipótese, cujo significado depende da fecundidade das deduções que podemos fazer. Pelo contrário, o Bem nos tira do reino da hipótese: pois é o que eu quero com todas as minhas forças e o que não posso deixar de querer, pelo menos se minha vontade, liberada do instinto e do desejo, tiver se tornado o ato adequado de minha mente. Portanto, é somente nele que eu apreendo a plenitude da existência, somente nele que a aparência se dissipa, somente nele que a lacuna entre o que é e o que eu quero que seja é abolida. Assim, temos todo o direito de dizer que o que temos aqui é idealismo, e a forma mais pura de idealismo. Porque na matemática nada pode minar a ideia de igualdade, mesmo que ela nunca seja perfeitamente realizada entre objetos iguais. Na moralidade, mesmo que uma ação justa nunca tenha ocorrido, a ideia do que é justo não seria de forma alguma diminuída em essência ou significado. Mas a igualdade matemática é apenas o objeto de uma afirmação hipotética, enquanto o Bem é o objeto de uma afirmação categórica: nenhum homem pode recusá-la; e é apenas por meio dela que nós verdadeiramente entramos na existência. Portanto, é a ele que devemos subordinar as várias técnicas, que são os meios de nossa atividade e transformam em ferramentas todos os objetos do mundo: e elas pressupõem tanto a medição, que a matemática é suficiente para fornecer, quanto a medida justa da qual ele próprio é o árbitro. Ele unifica simultaneamente – como vemos na República – todas as funções da vida interior e todas as funções da vida social. Dessa forma, o verdadeiro papel da ciência é tornar-se o instrumento da ação moral: mas se a técnica se torna soberana, é o espírito que se abole em seu próprio trabalho, em vez de dominá-lo.


O real é onde a atividade pura do espírito é exercida: portanto, reside nas ideias, que derivam do Bem, que Platão compara ao sol e que ilumina a inteligência, assim como anima a vontade. Ele se revela a nós somente quando a alma medita em si mesma. Pois a alma só conhece a si mesma na forma do Bem; e para conhecer a si mesma, ela deve concordar em realizar a si mesma, o que só é possível por meio da vontade, que a faz se conformar à sua ideia. Somente ele conhece a si mesmo e, sabendo o que quer ser, torna-se isso. Aqueles que nos pedem para definir o Bem o confundem com um objeto. É isso que Platão quer dizer em sua famosa afirmação de que “o Bem é maior em majestade e eficácia do que a realidade”, porque é o princípio no qual todas as coisas se baseiam, nosso conhecimento delas, seu crescimento e seu próprio ser. Ele continua dizendo que “não devemos imaginar que jamais encontraremos um Atlas mais vigoroso e imortal para sustentar o universo”, e que, na verdade, é apenas o Bem, com o amor que sentimos por ele e a obrigação a que ele nos submete, que forma o elo e o suporte de tudo o que existe. Sem ela, a ciência perde sua luz e a técnica, sua humanidade; e qualquer poder que não a tenha mais como base entra em colapso.

  1. Texto publicado no livro Psicologia e Espiritualidade, a sair em breve pele nosso selo Edições Fi.E . Recentemente publicamos Regras Para a Vida Cotidiana ↩︎

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